Mulher-Maravilha
Demorou, mas a principal heroína da DC finalmente chegou aos cinemas. E dirigido por uma mulher que só tinha dirigido um único longa-metragem, o excelente Monster com Charlize Theron. Mulher-Maravilha é um ótimo filme de ação que traz um fôlego a mais para o universo dos quadrinhos da DC, que vinha de sucessivos erros nas telas.
Baseado na personagem criada por William Moulton Marston, o roteiro tem colaborações, mas é assinado mesmo por Allan Heinberg. Talvez por ser seu primeiro roteiro para o cinema, ele peca em algumas construções, principalmente diálogos expositivos e um terceiro ato com algumas escolhas questionáveis. Ainda assim, consegue uma curva-dramática satisfatória, com algumas surpresas boas no final. Lidar com a origem de uma personagem é sempre arriscado. Já vimos Diana em Batman vs Superman, agora retornamos há uma época onde ela ainda era ingênua e não sabia lidar com a humanidade, em uma época muito mais machista, ainda mais em um ambiente de guerra. E tudo isso, tendo que buscar a essência dos quadrinhos. Então, ainda que seja o ponto mais frágil do filme, temos que reconhecer que Allan Heinberg fez um belo trabalho.
Já Patty Jenkins consegue dar um tom certo à obra, dosando cenas de ação com desenvolvimento de personagens e arquitetura da trama. Há cenas de grande impacto, principalmente durante as lutas das amazonas e depois, com a Mulher-Maravilha em ação. Jenkins consegue explorar bem a elasticidade das mulheres guerreiras com saltos e acrobacias que constroem ótimas estratégias de luta, a exemplo de um momento em que Robin Wright dá um salto sobre três soldados e os atinge com três flechas ao mesmo tempo. O avançar da Diana nas trincheiras também é espetacular. Há uma dosagem sempre entre prazer estético e adrenalina que dão um plus a obra.
Gal Gadot tem dividido opiniões. Porém, a atriz israelense consegue construir esse tom ingênuo de Diana, uma moça que foi criada fora da realidade do mundo, que não sabe sua origem e sempre acreditou piamente no que sua mãe lhe contou. O choque de realidade que começa ao encontrar a personagem de Chris Pine é bem construído e podemos comprar a ideia dessa mulher tão forte e poderosa que, ao mesmo tempo, parece tão infantil em seu raciocínio. Mas, aos poucos, ela vai demonstrando todo o conhecimento teórico que tem e vai aprendendo a lidar com a humanidade. É perfeitamente possível traçar sua trajetória até a Diana que vemos em Batman vs Superman. E o fato do filme optar por um longo flashback ajuda a nos lembrar disso.
Talvez um dos grandes problemas do filme seja o vilão. Após revelada sua identidade, o que traz pontos positivos para o roteiro, este se torna caricato demais. A própria luta final é repleta de clichês que parecem tolos diante do já visto. As frases ditas por ele, a maneira como vai conduzindo o duelo e a tentativa de levar Diana para o seu lado convencem muito menos que a ideia da ilha de Themyscira com suas Amazonas criadas por Zeus e protegidas por brumas do mundo exterior. Ainda assim é um bom filme de gênero que consegue nos entreter durante sua longa projeção.
Mulher-Maravilha traz ainda toda a carga da representatividade tão cara hoje em dia. Uma heroína como protagonista, dirigida por uma mulher. Isso conta muito para o empoderamento feminino e para a quebra de tabus. Não reforçamos aqui estereótipos machistas e mesmo o romance, que teoricamente é do que mulher gosta, se torna secundário na obra. Diana não saiu da ilha para seguir a possibilidade de relacionamento com Steve Trevor, ela foi em busca do que acredita ser o seu destino: derrotar Ares e trazer paz ao mundo. Isso faz toda a diferença, reforça a independência dessa mulher em relação aos homens, ainda que não os torne inimigos. Trevor também é heroico. Ou seja, não é preciso diminuir os homens para fazer Diana brilhar, nem ser superior a eles.
Depois de Homem de Aço, Batman vs Superman e Esquadrão Suicida, Mulher-Maravilha é um bálsamo na trajetória da DC / Warner nos cinemas. Não chega ainda a ser um grande filme como Cavaleiro das Trevas, que conseguiu ultrapassar qualquer rótulo de gênero, mas é um belo exemplar de um filme de super-herói, indicando um caminho para que esse universo possa ganhar fôlego e deslanchar nas telas. Vamos torcer para que, nos próximos, ela não fique em segundo plano.
Mulher-Maravilha (Wonder Woman, 2017 / EUA)
Direção: Patty Jenkins
Roteiro: Allan Heinberg (contribuição para história: Zack Snyder, Allan Heinberg, Jason Fuchs)
Com: Gal Gadot, Chris Pine, Robin Wright, Connie Nielsen, Saïd Taghmaoui, David Thewlis, Danny Huston, Elena Anaya
Duração: 141 min
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutoranda em Comunicação e Cultura Contemporânea (Poscom / UFBA), especialista em Cinema pela UCSal, roteirista do núcleo TV Show e dos curtas “Ponto de Interrogação” e “Dia de Cão”, além da equipe de roteiristas de séries como “Turma da Harmonia”, “Bill, o Touro” e “Tadinha”. É ainda professora de Audiovisual, tendo experiência como RTVC e Assistente de Direção.
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