A Árvore da Vida
Sinopse: A relação entre pai e filho de uma família comum, ao longo dos séculos, desde o Big Bang até o fim dos tempos, em uma fabulosa viagem pela história da vida e seus mistérios, que culmina na busca pelo amor altruísta e o perdão.
Crítica: Quantidade não é mesmo sinônimo de qualidade. Em seu sexto filme, Terrence Malick nos entrega uma das experiências estéticas mais impressionantes já vistas em uma sala de cinema. Uma espécie de ópera da vida em imagens e sons impressionantes que nos envolve em sensações, sentimentos e redescobertas diante do mundo e de nós mesmos. Afinal, quem somos? O que fazemos aqui? Qual a natureza de Deus e nossa relação com ele em um universo tão vasto? Perguntas que talvez não sejam para serem respondidas. Malick apenas nos mostra essa jornada de uma forma lúdica e envolvente em A Árvore da Vida.
Utilizando a família O’Brien, mais precisamente Jack O´Brien, como ponto de partida, embarcamos em uma elucubração não-linear da existência humana. Em determinado momento, o protagonista sussurra a um ser superior: “Porque eu deveria ser bom se você não é?” A pergunta é inspirada nas dúvidas em relação ao que consideramos injustiça no mundo, como a morte precoce de uma pessoa amada. De forma magistral, Malick nos mostra que o que nos parece essencial é quase insignificante diante da imensidão do universo. O que são alguns anos de sofrimento diante de bilhões de anos de existência? E ao mesmo tempo, por que não deveríamos vivenciar nossa dor, por mais insignificante que ela pareça?
É nesse jogo macro e micro que Terrence Malick nos conduz durante as duas horas e vinte de projeção. Ao mesmo tempo que embarcamos em uma viagem interior do personagem de Sean Penn e Hunter McCracken em lembranças diversas que o identificam como ser humano. Vamos em uma espécie de teoria junguiana de inconsciente coletivo maximizar essa reflexão através da formação do próprio planeta e universo. Aliás, reflexões psicológicas não faltam na análise do personagem Jack e em uma simbologia suas lembranças podem até mesmo ser apenas representações do seu inconsciente na formação do seu Ego como a teoria de Eric Berne. As figuras paternas representando o lado nutritivo na mãe e crítico no pai. A criança livre no seu irmão menor e adaptada em si mesmo tendo que ser repreendido em diversos momentos. E o adulto, na composição atual interpretada por Penn.
A morte de um dos membros da família O´Brien, parece ser o mote que abre e fecha a trama, mas não precisamos nos prender nessa fórmula cartesiana de ver um filme. A Árvore da Vida é uma reflexão através de imagens e sons construídas de forma encantadora. Johannes Brahms invade os nossos ouvidos conduzido de forma precisa pelo músico Alexandre Desplat que assina a trilha sonora, em uma comunhão perfeita com a fotografia de Emmanuel Lubezki. As cenas de formação do planeta desde a lava às rochas, os dinossauros, os elementos da natureza e as composições do universo envolvem a nossa visão, acalentando diversas sensações e emoções internas. É mesmo uma experiência única.
Terrence Malick trabalha bem a linguagem cinematográfica construindo essa sensação de lembranças.
Desde os planos fechados dos personagens, muitas vezes apenas em planos detalhes dos pés andando, das mãos tocando, do sorriso, de uma fala, a representação de sensações como a árvore que os cerca protegendo-os e inspirando formas diversas de lazer como a conhecida casa na árvore. Assim, são as lembranças, detalhes que surgem, sem muitas explicações, escolhas. Malick se utiliza também muito do corte sobre o mesmo enquadramento, nos dando a sensação de fragmentação proposital. Por outro lado, a natureza é sempre exposta em planos gerais. Demonstrando toda a sua grandiosidade diante de nossa insignificância. É possível observar também uma profusão de contra-plongées e câmeras baixas, reforçando a fragilidade humana diante do “céu”, seja esse céu representado por um ser chamado de Deus ou simplesmente forças da natureza.
Uma imagem recorrente é a de uma luz pulsante em uma tela escura. Essa luz é a essência do que somos, seres humanos, seres vivos ou planetas: Luz. A luz interior que nos anima, a vida, que alguns podem chamar de espírito outros de chama interna. Não importa. A presença constante dessa imagem é o sinal de que tudo ali é uma reflexão interna de um ser em busca de sua própria essência. E que ela está ao mesmo tempo em suas lembranças de infância e na formação do próprio planeta em que vive. Nos preparando para apoteose final que é a comunhão com o todo.
Diante de tantas sensações e sentimentos é até difícil analisar o elenco. São instrumentos musicais bem orquestrados em um projeto onde o todo é que importa. E não há nenhuma desafinação. Brad Pitt consegue passar a rigidez do pai ao mesmo tempo em que expõe o sentimento de amor que nutre por seus filhos. Jessica Chastain é a doçura constante, acalentando suas crias nos momentos felizes e difíceis. Os três meninos são partes de um todo em suas descobertas do mundo, todos em interpretações fortes. E Sean Penn é o plus, que quase não aparece em tela, mas expõe sua alma nos poucos frames e voz.
Não por acaso A Árvore da Vida encantou Cannes esse ano. Terrence Malick não fez um filme qualquer. Não esperem uma narrativa clássica, nem mesmo entrem no cinema por causa dos atores. É preciso se deixar levar pela experiência estética de sons, imagens e sentimentos. Pela força do tema que nos conduz a nós mesmos. Um filme que já nasce clássico em sua tentativa de compreender a natureza humana. Se o cinema é uma religião, talvez estejamos diante de uma Bíblia.
P.S. Para nosso orgulho, um dos montadores do filme é o brasileiro Daniel Rezende responsável pela montagem de filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite.
A Árvore da Vida (The Tree of Life: 2011 / EUA
Com: Jessica Chastain, Sean Penn, Brad Pitt, Fiona Shaw, Tye Sheridan, Hunter McCracken.
Direção: Terrence Malick.
Duração: 140 min.
Gênero: Drama.
Roteiro: Terrence Malick.
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