Simplesmente Complicado
Sinopse: Jane é mãe de três filhos adultos, dona de um restaurante em Santa Barbara e tem – depois de uma década de separação – uma relação amigável com o ex-marido, o advogado Jake. Mas, quando Jane e Jake vão à formatura do filho, as coisas começam a ficar complicadas. O inimaginável acontece: começam um affair. O problema é que Jake acabou de se casar novamente e Jane, agora, se vê como a amante. No meio dessa confusão, chega Adam, arquiteto contratado por Jane, que também está se recuperando de um divórcio. Ele apaixona-se por Jane e logo percebe que faz parte de um triângulo amoroso.
Crítica: Uma gostosa comédia romântica em que os protagonistas, ao contrário de 98% das comédias românticas das últimas décadas, têm, graças a Deus, mais de 50 anos de idade. Só por isso já seria um filme agradável. Mas a protagonista é Meryl Streep – e só por isso já seria um filme que vale a pena ver.
Nada contra as comédias românticas em que os personagens estão na faixa dos 30, ou dos 40. As com garotos de menos 25, talvez as mais numerosas, são de perder a paciência. Mas as que falam de gente madura, que maravilha.
A diretora e roteirista Nancy Meyers é reincidente. Em 2006, fez O Amor Não Tira Férias/The Holiday, em que os protagonistas estão na faixa dos 30 anos – as personagens interpretadas pela inglesa Kate Winslet e pela americana Cameron Diaz trocam de casa durante os feriados de fim de ano, e, no outro país, conhecem tipos interessantes, interpretados por Jude Law na Inglaterra e Jack Black nos Estados Unidos. Mas a diretora aproveita para botar em cena um velho roteirista de cinema, interpretado pelo veterano Eli Wallach, e através dele fazer um elogio à maturidade, à experiência, à velhice.
Meyers focalizou personagens mais velhos, passados dos 40, dos 50. Em Do Que As Mulheres Gostam, de 2000, um publicitário quarentão, interpretado por Mel Gibson, se envolve com uma colega de trabalho na sua faixa etária, feita pela fascinante Helen Hunt. E em Alguém Tem Que Ceder/Something’s Gotta Give, de 2003, um sessentão que gosta de gatinhas (Jack Nicholson) acaba trocando a namorada (Amanda Peet) pela mãe dela (Diane Keaton, então com belos 57 anos).
A ex-mulher tem ciúme e inveja da gatinha que roubou seu marido.
A ação de Simplesmente Complicado começa numa festa, numa bela, riquíssima casa próximo do mar da Califórnia, na região de Santa Monica, perto de Los Angeles. Dois casais estão conversando; a festa é para comemorar a formatura do filho de um dos dois casais; o outro terá daí a alguns dias a festa de formatura de um de seus três filhos, que está com uns 20 anos.
Esse segundo casal é formado por Jake (Alec Baldwin, 51 anos quando o filme foi feito) e Jane (Meryl Streep, 60 gloriosos anos). Jane olha para uma gatinha jovem que está na festa, toda gostosa, perfeita, exibindo seus atributos com aquela presunção das gatinhas jovens gostosas, perfeitas – e a câmara dá uma levíssima ralentada, quase um slow motion, para realçar a gostosura da moça. E lá vem ela, aproximando-se dos dois casais maduros; vem chegando, vem chegando, e gruda-se em Jake. Assim os espectadores ficam conhecendo Agness (Lake Bell, 30 aninhos, corpo de 20), a atual sra. Jake, e ficam sabendo que Jake e Jane estão separados há dez anos.
Na hora em que se despedem um do outro, na festa, Jane dá uma olhadinha furtiva para Jake. E Jake também dá uma olhadinha sorrateira para ela.
Nenhuma separação é propriamente tranquila, e a separação de Jake e Jane não havia sido nada fácil. Foram vários anos de muita dor; os dois tinham tido longo período em que não podiam se falar – os três filhos se lembram muito bem disso. Só agora, dez anos depois da separação, começam a conviver civilizadamente.
Com cinco minutos de filme, a diretora e os dois atores já contaram para o espectador: dez anos após o fim do casamento, Jake e Jane de alguma forma ainda sentem atração um pelo outro. E Jane ainda tem ciúme e inveja da gatinha jovem que lhe roubou o marido.
Isso com uns cinco minutos de filme.
Surge na trama um homem bonito, charmoso, educado – Adam (Steve Martin, cabelo todo branco há muito tempo, 64 anos quando o filme foi feito), o arquiteto que está planejando a reforma e a ampliação da já ampla e bela casa de Jane, num bairro afastado, quase uma chácara. Sabemos – é o óbvio, é uma comédia romântica – que em algum momento Jane e Adam vão ter um caso.
Mas quem tem um caso com Jane, ali pelos 15 minutos de ação, é Jake, o ex-marido.
Grandes atores à vontade, se divertindo com os papéis
Alec Baldwin, 25 prêmios e 37 outras indicações nas costas largas, grandão como Gérard Depardieu, está solto, à vontade, como o sujeito de meia idade bem sucedido, filhos criados, com problemas no casamento com a gatinha jovem que tem um filho de cinco anos de outro homem. Parece estar se divertindo com o papel, se divertindo porque está atuando ao lado da mais brilhante atriz de sua geração. Funciona bem – mesmo nos momentos em que peca por algum exagero cômico.
Steve Martin, veterano, experientíssimo, ator, diretor e roteirista de sucesso, que não precisa provar mais nada, está suave, contido, como o arquiteto que está mal saindo de um divórcio e só quer entrar em outra história se tiver certeza de que a canoa não é furada. Deixa as caretas e os gestos mais amplos apenas para a seqüência – hilária – em que chega a uma festa de jovens chapadão por um baseado bravo.
Meryl Streep é um dos grandes prazeres que o cinema dá para a gente. É sempre uma enorme alegria ver aquela mulher atuar, seja em drama pesado, seja em comédia leve, leviana. Bastaria a carinha que ela faz, na primeira sequência do filme, ao olhar para a mulher gostosa do ex-marido, para que sua atuação fosse marcante – mas a cada sequência ela está ainda melhor.
Me lembrei, agora, enquanto fazia esta anotação, do que disse sobre ela Jane Fonda, a atriz que eu mais admiro na vida:
“Dentre os atores do elenco de Julia havia uma novata, no papel de uma mulher de cabelos negros, Anne Marie.”
(O filme Julia é de 1977; Jane Fonda, que em Julia faz o papel da escritora Lillian Hellmann, já era atriz havia 17 anos, era uma grande e consagrada estrela. A narrativa que está sendo transcrita aqui está na autobiografia Jane Fonda – Minha Vida Até Agora. O Bruce citado a seguir, Bruce Gilbert, era sócio da atriz em uma produtora.)
“Lembro de quando vi as tomadas da primeira edição, em que ela aparecia. (…) Logo que as cenas terminaram, corri ao telefone para ligar para Bruce, na Califórnia. ‘Bruce’, eu disse, quase sem fôlego, ‘preste atenção: há uma jovem atriz, com um nome muito estranho, Meryl Streep. Sim, M-e-r-y-l, com y. Eu não via uma atriz tão impressionante desde Geraldine Page. Estou lhe dizendo, ela vai ser uma grande estrela. Precisamos tentar, agora mesmo, consegui-la para o papel da outra mulher em Amargo Regresso.’ No fim, Meryl não estava disponível, comprometida com uma peça. Mas me sinto sortuda por ter tido aquela visão precoce de seu talento ímpar.”
Um pecadinho: é tudo cor-de-rosa demais.
Mais algumas pequenas observações sobre Simplesmente Complicado:
Uma coisinha chata do filme, talvez seu maior senão, acho eu, é o fato de que tudo que se mostra ali envolve gente rica, muito bem de vida, com dinheiro sobrando. Todos os ambientes são ricos, sofisticados, caros, ostensivamente caros. Dinheiro não é problema. Aliás, não há qualquer problema material, para nenhum dos personagens, nunca. Acho isso meio cor-de-rosa demais. Me incomoda um pouco.
Mas é um detalhe.
Um detalhe interessante é a história da maconha. O filme faz uma pequena elegia à maconha, mostrada como uma coisa gostosa, fonte de prazer, satisfação, assim como um bom vinho. Interessante vermos isso num filme do cinema comercial de Hollywood, o típico filme mainstream, padrão, teoricamente nada ofensivo, nada rebelde, nada contestador.
Uma outra característica interessante da história é como os três filhos já crescidinhos do casal Jake e Jane – a mais nova está aí com uns 18, 20, a mais velha com 27, preparando-se para casar – ficam transtornados com o fato de pai e mãe estarem tendo um caso. Um deles – acho que é a filha do meio – diz: “A gente ainda nem se recuperou direito da separação e vocês estão ficando juntos de novo?”
Em outro filme bem recente, do cinema comercial francês, Rindo à Toa/LOL – Laughing Out Loud, de Lisa Azuelos, há coisa bem semelhante: a adolescente Lola acha esquisitíssimo o fato de sua mãe dar umas transadas com seu próprio pai, algum tempo depois do divórcio dos dois. Pai e mãe, ex-marido e ex-mulher, têm que se encontrar meio às escondidas, para não chocar os filhos.
Um interessante sinal dos tempos.
Um outro detalhinho é que, mais uma vez, o cinema cita A Primeira Noite de um Homem/The Graduate, o hoje clássico filme de Mike Nichols de 1967 que tornou Dustin Hoffman um grande astro. É impressionante como The Graduate merece citação em diversos filmes. Quer dizer, é impressionante, mas é compreensível: é um filme maravilhoso, foi importantíssimo, marcou toda uma geração. É a segunda vez que a diretora Nancy Meyeres cita o filme de Nichols – já havia feito isso em O Amor Não Tira Férias, numa seqüência gostosa, engraçada, em que contou com uma participação especialíssima do próprio Dustin Hoffman, fazendo papel dele mesmo numa locadora de DVDs de Los Angeles.
Sob a aparência ingênua, um filme subversivo
Para encerrar, volto ao início. É realmente uma maravilha que Nancy Meyers faça filmes como Alguém Tem Que Ceder e este Simplesmente Complicado, falando de sentimentos, amores, desejos de pessoas com mais de 50 anos, num cinema mainstream que cada vez mais se volta para os adolescentes – e com isso, inevitavelmente, muitas vezes se infantiliza. Ela expõe os corpos de gente mais velha, coisa rara – em Alguém Tem Que Ceder, Jack Nicholson anda pelo corredor do hospital com aquele avental aberto atrás, mostrando a bunda. Aqui, por duas vezes Alec Baldwin mostra o corpanzil grande sem roupa. E a diretora – ela própria com 60 anos de idade – exibe os ombros nus, os pés e as belas pernas de Meryl Streep, até os joelhos, numa seqüência engraçada e linda, um elogio à maturidade, ao passar dos anos.
E ainda por cima, remando contra toda a corrente, faz uma ode à boa comida, aos doces, aos sorvetes, ao chocolate.
De uma certa maneira, esta comedia romântica do cinema comercial de Hollywood é mais subversiva que o discurso pretensamente revolucionário mas na verdade pateticamente retrógrado, reacionário, de um Plínio de Arruda Sampaio.
Simplesmente Complicado (It’s Complicated, EUA, 2009)
Com: Meryl Streep, Steve Martin, Alec Baldwin, John Krasinski.
Direção: Nancy Meyers.
Duração: 118 min.
Gênero: Comédia Romântica.
*Escrito por Sérgio Vaz.
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