A Depressão Rouba o Desejo

By on 22/04/2014

Apesar de se falar cada vez mais em depressão, um ponto essencial parece incompreendido: a depressão rouba o desejo. Quando uso a palavra “rouba”, quero dizer que o dono do desejo não sabe mais onde está seu desejo ou como acessá-lo em parte ou quase todo. O desejo quase ausente ou diminuído revela diferentes níveis da doença. Isto é até sabido por muitos, mas frequentemente esquecido no dia a dia, trazendo mais inconvenientes para quem sofre da depressão e para aqueles com quem convive.

É comum que o próprio doente se veja como um inútil por fazer menos do que já desejou, sem a autonomia para alterar seus comportamentos e sentimentos. As pesquisas que revelam alterações bioquímicas e metabólicas na atividade cerebral ainda são pouco difundidas. Assim, o pré conceito que vê o sujeito como capaz de comandar sua vontade simplesmente escolhendo isso, supera o conhecimento científico, reforçando os prejuízos de autoestima do deprimido: “Inútil! Vagabundo”.

Já vi casos em que o doente não se percebendo com depressão, sem conseguir mais ser o que era, apesar de tentar, e com vergonha de si mesmo, tenta o suicídio. E quando o suicídio falha, vem a ajuda de profissionais da área de saúde e o diagnóstico da depressão, surpresa: “Então o que eu tenho é uma doença?! Dá pra tratar?!”

Junto aos rótulos de “vagabundo” e “inútil” é comum também ouvir “o que te falta é força de vontade!”. Interessante que quem diz isso não se dá conta do que fala: se o que falta é “força de vontade” como ter vontade se ela falta? É o mesmo que saber que um carro está sem combustível e querer que ele ande! É o desejo que nos move! Sem desejo não há vida!

A bioquímica cerebral é alterada na depressão. E uma vez que o cérebro é nosso quartel general, se ele não vai bem todo o corpo sofre as consequências. A bioquímica cerebral está intimamente ligada com nossos hormônios. Nossos hormônios correm o corpo, inundam nossos sentidos, por isso, as sensações durante a depressão são muito diferentes. Não se vê mais a beleza que se via, o mundo fica meio cinza. Músicas não trazem mais vontade de dançar. A comida perde o gosto ou serve pra preencher um vazio, tentar matar ansiedade. O corpo fica pesado mesmo que você emagreça… Os movimentos parecem não ter tanta precisão, respirar é difícil. A relação com o tempo muda: “pra sempre” ou “nunca mais”. Tudo leva mais tempo e nessa lentidão do tempo o que ocupa o espaço são pensamentos negativos, culpas… Lembranças tristes ocupam o presente. Regiões frontais do nosso cérebro responsáveis por perspectiva ficam pouco ativadas, por isso, não se consegue projetar futuro. Faltam a esperança e a fé!

depressao rouba o desejo 02E todo este inferno interior costuma mudar pouco por fora: o semblante desanimado, a falta de cuidados pessoais, desleixo. Muito diferente de feridas expostas que disparam a compaixão e cuidado de quem vê.

A depressão é uma doença complexa que não tem cura simplesmente saindo com os amigos para tomar uma cerveja ou dando uma voltinha no shopping, isso é coisa de gente que não tem depressão. Imagine sair de casa para trabalhar, alguém que está bem pode pensar: “se preciso sair, vou sair!!” Mas quem tem depressão diz: “como é que eu vou fazer pra sair da cama…”. Pra entender isso imagine que você recebeu dose de alguma droga que altere seus sentidos e precise sair para um compromisso. Você vai simplesmente “sair” de casa?

Outra coisa comum que se diz a quem tem depressão: “você tem que querer melhorar!” A depressão rouba o desejo, portanto, se o paciente quiser querer melhorar já está no lucro. Se você agir com quem tem depressão de maneira coerente com o fato de que o desejo está diminuído, reduzirá a sensação de impotência de quem está neste estado. Se você tem depressão, lembre que é uma doença, e você precisa de tratamento.

Também é comum que se diga que a pessoa precisa fazer exercícios físicos pra melhorar. Se o nível da depressão permite isso, ok! De fato a pessoa perceberá diferenças ao longo do tempo. Mas há casos, em que o movimento é praticamente impossível. Especialistas em RPG (reeducação postural global) e Rolfing podem ajudar demandando movimentos mínimos do paciente e mais movimento de si mesmos para manipular o corpo do paciente. Os benefícios incluem melhora da consciência corporal, postura, respiração, movimento, liberação de tensões entre outros.

Para tratar a depressão é indispensável o acompanhamento de um psicólogo e de um psiquiatra. Com o psiquiatra haverá suporte medicamentoso e com o psicólogo, especialmente se usar o EMDR, Brainspotting ou SE, a modificação das conexões cerebrais, melhora da neuroplasticidade e, por consequência, o reencontro com o desejo. Estes profissionais poderão fornecer informações para o paciente e para a família sobre como lidar com a doença em seus diferentes níveis.

Abaixo, um trecho da comunidade “Como Lidar com o Depressivo” .

Manual de Convivência com o Depressivo

Não vou falar sobre os vários tipos de depressão, mas sim sobre os vários estágios da mesma.

1) A pessoa começa a apresentar os sinais. Cansa-se facilmente, demonstra desinteresse pelo que antes gostava, dorme demais (ou de menos), fica irritadiça, não quer sair de casa e fica mais calada do que de costume.

Alerta: Não espere mais do que duas semanas se vc perceber esses sintomas. A depressão é um quadro que se agrava. Sugira uma consulta a um psiquiatra.

No psiquiatra: Peça um diagnóstico exato, pergunte para que servem cada um dos remédios que ele receitar, de que forma ele imagina que aqueles remédios possam ajudar a pessoa e quais efeitos colaterais, pela experiência dele, são mais comuns. Pergunte também sobre quais efeitos colaterais ele julga importante que lhe sejam informados, mesmo antes da próxima consulta, para você ficar de olho. Não se impressione com a bula dos remédios. Procure um psiquiatra de confiança e dê a ele um voto de confiança.

Em casa: Não questione o comportamento da pessoa. Não seja invasivo. Proporcione privacidade. Certifique-se que ela toma os remédios conforme a prescrição.

2) A pessoa perdeu o apetite, vem emagrecendo, o comportamento dela já mudou há tempos e você achava que era só uma fase. A pessoa mostra-se cada vez mais desiludida com a vida, pára de estudar ou trabalhar, etc.

Alerta: A depressão não começou agora. Leve-a a um psiquiatra imediatamente. É importante relatar DESDE QUANDO você se lembra que ela começou a agir de forma diferente. Provavelmente, a depressão já não está mais no estágio inicial. Como a maioria dos antidepressivos costuma levar algumas semanas para agir, questione o psiquiatra sobre a necessidade de algum tipo de tranqüilizante ou outro tipo de remédio, para que a pessoa possa aguardar com segurança o início da atuação do antidepressivo. Mantenha-se vigilante. Siga todos os passos indicados no item No. 1.

3) Além dos sintomas descritos nos itens 1 e 2, a pessoa começa a apresentar ideias ou comportamentos suicidas. Ou, pior, ela começa a se mostrar fria, com os olhos distantes, como se estivesse pensando em qualquer outra coisa menos o que você está conversando com ela. Mesmo calada, você observa um olhar vítreo, como se nada mais a abalasse.

Alerta máximo: A pessoa está sob risco de suicídio. Leve-a imediatamente (ou tão logo seja possível) a um psiquiatra, explique detalhadamente o que está acontecendo. A prescrição deve conter remédios paliativos (talvez anti-psicóticos e tranqüilizantes) além dos antidepressivos, embora somente o psiquiatra possa analisar essa necessidade. Esteja informado, porém. A pessoa pode precisar de observação contínua. Mantenha objetos perfurantes ou cortantes longe do alcance da pessoa.

Em casa: Não cobre reação alguma. Nesse estágio, até mesmo demonstrações de amor podem soar como uma cobrança e fazer a pessoa sentir-se culpada de estar “incomodando”, ou ter-se tornado “um fardo”. Seja carinhoso, exercite sua paciência ao extremo. Comunique-se com o psiquiatra com freqüência, via telefone ou por qualquer outro meio, se você suspeitar de algo anormal.

Lembre-se: Mesmo a pessoa mais decidida a tirar a própria vida emite sinais dúbios. Aprenda a reconhecer um pedido de ajuda, mesmo que implícito. Informe-se sobre o assunto.

Finalmente: Pode até ser, e se for, melhor, mas em qualquer estágio, NUNCA imagine que a depressão VAI PASSAR sozinha.

Principalmente nos dois primeiros itens, considere com o psiquiatra a necessidade de terapia adicional, com um psicólogo, se você tiver condições.

Se não, faça de tudo para que a pessoa sinta-se confortável. Quando conversar, que seja sobre amenidades. Acostume-se, nesse período, a conversas unilaterais, monólogos mesmo. Não fique chateado. É sempre muito importante manter a pessoa ligada à realidade. Não coloque expectativas de cura, muito menos as imponha. Diga apenas que você estará lá, para o que der e vier.

Escrito por  Giovana Tessaro.

0.00 avg. rating (0% score) - 0 votes