Dulce Braga

By on 15/04/2014

Conversei com a Dulce Braga, autora do livro Sabor de Maboque, em uma tarde fria deste nosso inverno brasileiro, saboreando um café, e ela me contou sua história, e respondeu a algumas perguntas que divido com vocês.

O livro Sabor de Maboque, conta a história da autora Dulce Filomena Martins Tavares Braga. Em 1996, no Brasil, ao chegar da aula da yoga, na porta da garagem, tem um bilhetinho de seu filho Joaquim, dizendo que tinha deixado uma surpresa para ela. Ao entrar em seu quarto, é surpreendida pelo cheiro inconfundível de Maboque uma fruta angola, típica de sua terra natal. Dulce, assim como sua família, pai, mãe, irmãos, tios e primos, num total de onze pessoas se exilaram no Brasil, fugindo da guerra civil que precedeu a libertação de Angola.

dulceNo livro Sabor de Maboque, a autora conta parte de sua vida (infância e adolescência) na África, mais precisamente em Angola, na época uma colônia portuguesa.

Conta sobre sua rotina em um colégio interno, com uma disciplina rígida e por vezes burlada pelas internas, que utilizando um espelho faziam sinais para os rapazes que estudavam no Liceu, um colégio masculino bastante próximo. Dulce foi interna aos dez anos, e por volta dos 14 anos conheceu através de seus primos – Pedro, também estudante e começaram a namorar. Tarefa das mais difíceis para quem era interna do colégio. Em uma das ocasiões Dulce, falta ao encontro porque estava muito gripada, Pedro junto com seus primos faz uma serenata para ela. Como estava na enfermaria, as freiras não identificaram para quem estava acontecendo a serenata, mas as meninas do colégio sim, isso a tornou popular no colégio. Em meio as suas aventuras de adolescente, a situação política em Angola começa a dar sinais da deflagração eminente de uma guerra civil.

Os confrontos entre UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), MPLA (Movimento Popular pela Libertação de Angola) e FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) estavam mais acirrados. Nas festas de fim de ano, volta para Nharês (seu estado de nascimento) e onde a família residia. Em Nharêa seus pais e tios têm uma grande fazenda, que abriga toda a família. A família tem uma vida confortável, porém seu pai um homem muito sensato, resolve que o melhor é fugir para Portugal. Seu pai então retira todos os diamantes das jóias da família, para que pudessem se estabelecer na nova terra. Para que não fossem confiscados, ele coloca os diamantes em um salto do sapato da esposa, e incumbe a Dulce de vesti-los caso alguma coisa acontecesse a sua mãe. Mas seus planos são alterados, quando a guerrilha confisca o avião em que viajariam, para o retorno de soldados. Sem saída, são socorrido por parentes que moram no Brasil que enviam passagens para todos. A vinda para o Brasil, foi um golpe de sorte, um de seus parentes que aqui estava, comenta com uma amiga sobre a aflição de seus familiares, e esta mesma amiga intercede junto a autoridades da Varig e providencia o retorno de todos. Muito rapidamente, Dulce se adapta ao jeito de viver dos brasileiros, negando sua raiz africana. Somente quando seu filho Joaquim, lhe dá o Maboque, se permite dividir com todos, suas raízes, suas lembranças, seu apego a família e os horrores da guerra.

1. Dados Pessoais.

Nome: Dulce Braga
Data de nascimento: 16 de abril
Naturalidade: angolana
Nacionalidade: portuguesa
Residência: Campinas/SP/Brasil desde 1975

dulce braga (1)Nasci em Angola, onde vivi até aos 16 anos e de lá fugi em 1975, em meio à guerra civil, que perdurou até fevereiro de 2002, vindo a me refugiar no Brasil, juntamente com mais 10 integrantes de minha família.

2. Qual foi sua trajetória pessoal depois que chegou ao Brasil?

Poucas semanas após a minha chegada prestei vestibular para a faculdade de economia da UNICAMP, onde ingressei em 1976, vindo a me graduar no final de 1980.

Recém formada, antes mesmo de procurar uma colocação no mercado de trabalho dentro da minha área, recebi casualmente uma proposta para trabalhar em aviação, onde permaneci até ao inicio de 1986, quando o nascimento de minha primeira filha, fez com que redirecionasse a vida profissional e impulsionou-me a abrir meu próprio negócio, dando inicio a uma confecção de roupas femininas em sociedade com minha irmã.

3. Você teve dificuldades no Brasil para se posicionar no mercado? Por ser mulher? Por ser de um outro Pais?

Desde o primeiro dia neste pais jamais senti qualquer tipo de dificuldade em me adaptar ou me posicionar, seja como mulher ou como estrangeira, sem contudo negar que o fato de quase de imediato ter ingressado na universidade e posteriormente adentrar no mercado de trabalho em áreas onde ser mulher não é fator discriminatório, possa ter contribuído para a isenção da descriminação.

4. Quando você resolveu escrever o livro Sabor de Maboque?

Resolver escrever o Sabor de Maboque foi um start que partiu da necessidade interior de me libertar de uma série de pesadelos que vivenciei há mais de 30 anos durante a guerra civil de Angola e que insistiam em me afligir.

5. No seu livro você fala sobre o primeiro amor, o primeiro amor é marcante para uma mulher?

Com certeza o primeiro amor é sim muito marcante para as mulheres. Há alguns dias atrás, conversando com uma amiga que desposou o primeiro amor, com quem viveu durante muitos anos e de quem se separou depois de um péssimo fim de relacionamento, onde até ocorreram agressões físicas em diversas ocasiões, ela me relatou ter passado meses profundamente consternada depois de casualmente ter tomado conhecimento da morte do primeiro namorado e marido, embora hoje esteja casada e amando seu atual esposo.

6. Qual o seu segredo para desnudar a alma e descreve-la de forma simples?

A simplicidade vem da própria maneira de se ser, enquanto a coragem de se desnudar provem da necessidade imperiosa pela catarse em busca da paz interior..

7. Vi no seu blog uma entrada para o show do BB King, você gosta de jazz? Se sim qual diva do jazz fala a sua alma?

Amo jazz e Etta Jones é sem duvida a diva do gênero para mim.

8. Em seu livro você faz declarações de amor às culturas, às pátrias, à família e aos amigos, ao próprio amor e a própria vida, foi esse amor que te fez chegar até aqui?

O amor como mola propulsora da vida! Utópico? Talvez, mas praticá-lo e recebê-lo é o maravilhoso fermento do bem viver.

9. Você assistiu ao filme Hotel Luanda? Como foi para você?

Não assisti ao filme Hotel Ruanda, nem qualquer outro filme de guerra desde minha própria experiência com participe de uma, por absoluta falta de estrutura emocional para fazê-lo.

10. Qual o sabor de Maboque?

Só poderá conhecer o Sabor do Maboque, quem um dia o provar!

Sobre o Livro

O livro Sabor de Maboque, é um relato verídico, quase um diário, das perdas, das dores, do medo, da angústia, da luta pela sobrevivência, do desespero e de todas as demais mazelas que as guerras invariavelmente injetam em todos os seus participantes, ativos ou passivos.

Uma história belíssima que nos prende, do começo ao fim, em uma leitura e uma viagem incrível. Recomendo porque além de tê-lo lido, gostei e me emocionei profundamente de tanto envolvimento e empatia.

Dulce Braga: http://sabordemaboque.blogspot.com
e-mail: dulce@mpcnet.com.br

 

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