Não Aceitamos Devoluções
Sempre dizemos que não se deve subestimar um filme. Mesmo quando ele começa da pior forma possível. A primeira parte de Não Aceitamos Devoluções é das mais sofríveis, mas, quando pai e filha cruzam a fronteira, vamos juntos em um filme divertido, emocionante e surpreendente.
Valentín sofreu muito na infância. Seu pai, conhecido como Johnny Bravo, tinha uma filosofia doida de que era preciso enfrentar os medos para encarar a vida. Assim, ele foi jogado de penhascos em Acapulco, teve aranhas passeando em seu peito e ficou preso em tumbas em cemitérios. Cresceu sem responsabilidades e vínculos até que uma ex-paquera deixa em sua porta uma bebezinha dizendo ser sua. Ainda perdido, Valentín se muda para os Estados Unidos, país natal da filha, para lhe dar uma vida melhor, mas muita coisa vai acontecer quando a mãe da menina retorna.
Este é o primeiro trabalho no cinema de Eugenio Derbez que já dirigiu muitos programas de televisão no México. Como ator, ele já fez participações em algumas obras, mas não chega a ser uma celebridade mundial. Não Aceitamos Devoluções tem pontos altos e baixos, mas o conjunto da obra justifica o sucesso feito em seu país, não sendo apenas por conta da fama do ator e diretor no local.
O filme começa com a trajetória do garoto Valentín e o pai com sua filosofia maluca. Tudo exagerado, mas nada que incomode tanto. O pior é quando vemos Valentín adulto trocando de mulher como quem troca de roupa. Não exatamente por uma questão de incômodo sexista, mas pelos exageros típicos do pior do besteirol. O personagem é construído como um imbecil, com cenas irritantes. Uma das poucas boas coisas desse momento é uma sequência onde a câmera acompanha seu movimento em travelling e a cada “obstáculo” vencido o vemos com uma mulher diferente. Ponto para direção, montagem e direção de arte.
Com uma bebezinha no colo e nenhuma noção de vida, a ponto de “não saber” que precisava de visto para entrar nos Estados Unidos, Valentín chega aos Estados Unidos e o filme dá um salto interessante. Apesar dele continuar meio bobo e atrapalhado, entra em cena Maggie, sua filhinha, interpretada pela fofa Loreto Peralta. A dobradinha pai e filha onde não se sabe quem é mais maduro e responsável na relação acaba sendo divertida e envolvente.
A estrutura do roteiro parece em muitos aspectos com Kramer vs Kramer, guardadas as devidas proporções. Pai desajeitado, com filho abandonado pela mãe, vai se virando com ele, se tornando seu grande companheiro, até que a mãe retorne e queira reocupar o seu lugar. Muita coisa acontece antes que Julie, interpretada por Jessica Lindsey, retorne. Mas, sua chegada gera uma terceira fase do filme que termina de uma maneira surpreendente. Não apenas pela surpresa em si, mas por todas as questões emocionais com as quais o roteiro mexe.
Do babaca do início, Valentín vai se tornando um ser humano impressionante. Desde toda a fantasia que cria para que sua filha não sofra, passando pelos desafios como dublê, a postura diante do julgamento e, claro, as explicações após tudo esclarecido. É uma trajetória bem construída, onde percebemos que os roteiristas sabiam exatamente o que estavam fazendo, mesmo quando começa com aquela construção sofrível.
No final, Não Aceitamos Devoluções acaba sendo uma comédia agradável, sem grandes revoluções, mas que nos envolve pelos personagens, pelo tema e pela maneira que escolhe concluir toda aquela aventura.
Não Aceitamos Devoluções (No se Aceptan Devoluciones, 2014 / México)
Direção: Eugenio Derbez
Roteiro: Guillermo Ríos, Leticia López Margalli
Com: Eugenio Derbez, Karla Souza, Jessica Lindsey, Loreto Peralta
Duração: 115 min.
Amanda Aouad é Mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea pela UFBA, especialista em Cinema pela UCSal e roteirista de Ponto de Interrogação, Cidade das Águas e Vira-latas. É ainda professora de audiovisual, tendo experiência como RTVC e assistente de direção. Membro da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), Sociedade Brasileira de Blogueiros Cinéfilos e da Liga dos Blogues Cinematográficos.
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