O Feminino e o Sagrado

By on 26/04/2014

De que forma se entrelaçam o feminino, a mitologia e as manifestações do sagrado na vida cotidiana?

A partir de uma série de entrevistas, esse livro relata as historias de vida de quinze mulheres brasileiras e contemporâneas que, na busca pela própria autenticidade, se conectaram de alguma forma com a dimensão sagrada da vida: há uma budista, uma xamã, uma médium, uma mãe de santo, psicoterapeutas, uma vereadora, uma atriz e uma dançarina, entre outras.

O fio que liga os relatos é a jornada do herói, modelo mitológico descrito por Joseph Campbell, que une a moderna busca da individualidade com a antiga busca da espiritualidade, e que aqui é explicado a partir dessas histórias da vida real.

As entrevistadas são: Ana Figueiredo, Andrée Samuel, Bettina Jespersen, Heloisa Patemostro, Jeruha Chang, Maria Aparecida Martins, Monica Jurado, Monika von Koss, Neiva Bohnenberger, Regina Figueiredo, Renata C. Lima Ramos, Rosane Almeida, Sandra Sofiati, Solange Buonocore, Soninha Francine.

Resenha:

Ingenuidade minha. Ganhei um insight de presente, há alguns dias, quando li o livro “O Feminino e o Sagrado – Mulheres na Jornada do Herói”, de Beatriz Del Picchia e Cristina Balieiro. Por meio da jornada de 15 mulheres sensacionais, percebi que não é no currículo que se esconde o segredo dos seres notáveis – é na vida! E a vida é bem mais do que os cursos que fazemos, os livros que lemos, as viagens que nos permitimos – eu já deveria saber -, vai muito além do que apreendemos com nosso aparato intelectual.

A vida é feita de todos os dias, um após o outro, de todos os acontecimentos – principalmente daqueles que nos fazem olhar para cima e perguntar se alguém está zombando de nós ou se Deus (ou o nome que se quiser dar) resolveu nos abandonar ou mesmo nos sacanear. A vida é feita dos encontros, e também dos desencontros, de cada escolha, incluindo as mais tortas e, aparentemente, erradas, de pessoas que aparecem do nada e transformam quase tudo, dos pais, dos parceiros, dos filhos, da ausência deles, da dor, do alívio, da alegria, da depressão, dos sonhos, das perdas, dos ganhos, de absolutamente tudo o que há entre a primeira inspiração e a última expiração – e, por que não, do que veio antes e do que vem depois disso também – de cada um de nós. É de tudo isso que as pessoas fantásticas que você admira são feitas.

Acontece que, normalmente, desconhecemos um bom pedaço de suas histórias e nos atemos apenas ao brilho que elas carregam depois de terem traçado uma trajetória inteira e estarem, agora, na plena expressão de sua essência, no auge de sua contribuição para o mundo.

É isso o que nos mostram, com muita delicadeza, Beatriz e Cristina, ao relatarem, com base na teoria da “jornada do herói”, do filósofo Joseph Campbell, as jornadas que percorreram: Ana Figueiredo, Andrée Samuel, Bettina Jespersen, Maria Aparecida Martins, Heloísa Paternostro, Jerusha Chang, Mônica Jurado, Monika von Koss, Neiva Bohnenberger, Regina Figueiredo, Renata Ramos, Rosane Almeida, Sandra Sofiati, Solange Buonocore e Soninha Francine. Ao ler essas histórias, tive duas sensações principais. A primeira foi uma espécie de “Ah, agora sim! Depois de passar por tanta coisa, faz sentido que ela seja tudo isso que é hoje”. Ao mesmo tempo, a cada relato, especialmente os das mulheres que já conhecia pessoalmente, eu era tomada por uma admiração ainda maior: “E depois de passar por tanta coisa, ela ainda conseguiu ser tudo isso!”.

De algum modo, todo ser humano tem sua jornada nessa existência. O que diferencia então os heróis mitológicos e os heróis e heroínas que conhecemos do restante da humanidade? Eles aceitaram o que Joseph Campbell denomina de “chamado à aventura”. Tiveram a coragem de romper com o mundo cotidiano e seguir por uma nova trilha, guiados pelo coração, pela intuição, por um apelo maior, muitas vezes difícil de ser identificado, mas que convida aquele ser a experimentar o novo. “A experiência subjetiva do chamado traz a sensação de rompimento com o conhecido, de um corte da vida como sempre havia sido, de algo que se quebra e não pode mais voltar à forma original”.

Pode até ser que algumas das heroínas tenham se recusado, por algum tempo, a seguir esse chamado, se apegando ao antigo em suas vidas, afinal, não é mesmo fácil abrir mão do que nos é familiar, em nome de algo que sequer sabemos o que é, do que se trata e aonde pode nos levar. Felizmente, nos dizem as autoras, “se o chamado pode ser protelado, recusado e até distorcido, parece que a vida não desiste nunca. Ou a insatisfação, a sensação de vazio e de falta de sentido retornam ainda mais prementes, ou acontecem novas atribuições e eventos externos no mesmo sentido”.

Dito “sim”, a jornada propriamente dita começa. Nessa fase, a heroína passa por uma série de “provas” e situações difíceis e a busca por respostas é intensa. Por mais que haja desafios, o Universo parece sempre conspirar a favor dos seres que estão dispostos a se tornar, cada vez mais, quem verdadeiramente são. E uma série de pessoas e situações podem aparecer para ajudar o herói ou a heroína a seguirem esse novo rumo. Também é possível que alguns dons totalmente desconhecidos sejam despertados e mesmo que apareça um ou mais mestres para auxiliar e inspirar quem está apenas começando. Ao longo do caminho, quem o percorre vai se transformando, surgem novos aprendizados, muitos conceitos se modificam, pode-se adquirir outros valores e formas inovadoras de ver e experimentar o mundo.

E quando o caminhante pensa que já atravessou tudo o que podia, pode ser que surjam mais mudanças e novos desafios, verdadeiros convites para que se mergulhe cada vez mais fundo dentro de si mesmo. Algumas heroínas relatadas no livro passaram, inclusive, por uma “situação-limite”, uma espécie de prova final antes da recompensa.

E a recompensa, a que Joseph Campbell chama de “bliss”, pode ser explicada de várias maneiras, mas pode ser resumida a um encontro íntimo com o que há de mais verdadeiro em nós mesmas, com a nossa natureza mais profunda, com a nossa alma. “Existe um encantamento nesse encontro, a sensação de estar em um momento especial, cheio de significado. Vive-se a sensação de estar repleto de vida, de sentir-se emocionalmente muito envolvido. Por mais que a jornada tenha sido árdua, ela culmina com essa sensação de plenitude”.

Alcançado esse estado, é hora de retornar, de levar ao mundo todo o aprendizado dessa jornada, de se expressar na vida social a partir de sua verdadeira essência. “O ciclo termina com o viajante trazendo ao mundo cotidiano o que descobriu em seu caminho, o tesouro, a dádiva encontrada no percurso. Apesar de toda jornada trazer uma grande transformação pessoal, ela tem de conter uma dimensão maior: é necessário que essa transformação seja, de alguma forma, “doada” para o coletivo”.

O próprio Campbell diz que, na realidade, passamos por várias jornadas ao longo da vida. E é com a seguinte frase que as autoras terminam a introdução do livro e partem, então, para as histórias imperdíveis e extremamente inspiradoras das quinze heroínas escolhidas: “O que julgo ser uma boa vida é aquela com uma jornada do herói após a outra. Você é chamado diversas vezes para o domínio da aventura, para novos horizontes. Cada vez surge o mesmo problema: devo ser ousado? Se você ousar, os perigos estarão lá, assim como a ajuda e a realização ou o fiasco. Existe sempre a possibilidade do fiasco. Mas existe também a possibilidade da bliss”.

E você, já disse sim para a sua jornada?

o feminino e o sagrado

 

Serviço:

Título: O Feminino e o Sagrado – Mulheres na Jornada do Herói.
Autor(as): Beatriz Del Picchia e Cristina Balieiro.
Assunto: Psicanálise.
Ano da Edição: 2010.
Edição: 1ª.
Editora: Agora Editora.

 

 

Por: Thays Prado
e-mail: thaysprado@maistato.com.br  / www.maistato.com.br

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