Recém Chegada
Sinopse: Lucy Hill é uma poderosa e ambiciosa executiva, apaixonada pelo estilo de vida que leva em Miami – roupas, sapatos, carros e belos homens. Quando surge a chance de reestruturar uma fábrica no gélido estado de Minnesota, Lucy vê a chance de uma promoção e aceita o desafio. Mas o que seria apenas mais um trabalho se transforma numa roubada. Com seu modo de vida arrogante, a recém-chegada executiva enfrentará situações divertidas ao ser recebida com frieza pela população da pequena cidade e em especial pelo bonitão e sindicalista Ted.
Crítica: É assim: se for para ser rigoroso, sisudo, esta aqui é uma comedinha boba, descartável, “americana”, naquele sentido usado pelo povo que torce o nariz para todos os filmes americanos e adora um iraniano.
Para quem acha que cinema pode ser também diversão, é uma agradável comedinha, que fala daqueles velhos temas mulher no trabalho, gente da cidade grande versus gente simples do interior, busca do sucesso profissional a qualquer custo versus os prazeres da vida, e até as relações trabalhistas e as formas diferentes de se fazer capitalismo, a luta entre a Main Street e Wall Street.
Parte-se de uma idéia simples: jovem executiva ambiciosa que ocupa posto importante em conglomerado industrial se oferece para a difícil tarefa de atuar como interventora numa fábrica de alimentos que está dando prejuízo; para isso, terá que reformular todo o tipo de produção, aumentar a mecanização e a automação, cortar pessoal pela metade, cortar custos, aumentar a produtividade. Ou seja: tudo isso que qualquer pessoa que trabalhou ou trabalha na iniciativa privada já viu de perto.
Para apimentar a trama, os roteiristas usaram situações limite: a jovem executiva ambiciosa, Lucy Hill (interpretada por Renée Zellweger, que exagera nas caretas, mas tem um bom timing cômico), mora em Miami, Flórida, onde fica a base da corporação – e, como se está cansado de saber, é uma cidade quente, ensolarada o ano todo, algo como Salvador, ou Recife. E a fábrica que ela vai dirigir fica em New Ulm, uma cidadezinha de menos de dez mil habitantes, no gélido Estado de Minnesotta, vizinho do Canadá. Boa parte da população de New Ulm a) depende da fábrica para viver; b) é formada por descendentes de imigrantes escandinavos, com sobrenomes como Gunderson, Kopenhafer, Ulstead, Van Uuden; e c) está acostumada a ver chegar e sair interventores de fora, que não aguentam ficar ali mais do que algumas semanas.
As sequências iniciais, com a chegada de Lucy Hill vestida para a Flórida numa siberiana Minnesota, são hilariantes. Exageradas, é claro, mas muito engraçadas, e o talento cômico de Renée Zellweger realmente ajuda.
Bem. Os primeiros contatos da interventora com seus subordinados serão, é claro, os piores possíveis; a moça não consegue acertar nada, faz tudo errado. Para começo de conversa, ela destrata horrorosamente um sujeito – Ted Mitchell, interpretado por Harry Connick Jr. – que em seguida ela vai saber que é o líder sindical do lugar, o cara de quem ela teria que puxar muito o saco. Com uns 15, 20 minutos de filme, o espectador não tem outro jeito a não ser ter uma grande pena da tadinha da jovem executiva ambiciosa.
Interessantes caminhos da vida
Claro, sabemos que tudo vai dar certo. É uma comedinha, uma comedinha romântica, a receita é uma só: tudo tudo vai dar pé. O que intriga o espectador é saber como é que vai dar tudo certo depois de tanta asneira que Lucy Hill aprontou ao chegar.
E aí, diante desse impasse, dessa encruzilhada, os roteiristas até que se saem bem. Claro, é uma comedinha americana, e portanto sempre haverá uma saída digna e justa para os problemas do capitalismo, se todos se unirem, se esforçarem, trabalharem em equipe, etc, etc, etc e tal. Sabemos disso desde as comédias de Frank Capra nos anos 30.
Faço uma ou duas observações.
Interessante os caminhos da vida desse Harry Connick Jr. Nascido em 1967 em Nova Orleans, o berço do jazz, uma das capitais da música popular do mundo, filho de advogados, tocava piano aos 3 anos de idade, e participava de uma banda de jazz aos 10. Ganhou competições como pianista, e aos 19 anos lançou seu primeiro disco pela Columbia, aqui CBS, agora Sony Music. Foi saudado como a grande esperança branca, o jovem que continuaria a tradição da Grande Canção Americana; foi comparado a ninguém menos que Frank Sinatra, ganhou o apelido de Vice-Chairman of the Board, e o próprio Sinatra fez elogios a ele, a quem chamava de O Garoto. Escreveu a trilha sonora para Harry e Sally – Feitos um para o Outro, de Rob Reiner, com Meg Ryan e Billy Crystal, de 1989; o disco da trilha, com o próprio Harry Connick Jr cantando em várias das faixas, ganhou Grammies e vendeu horrores. Aí aproximou-se do cinema, atuou no filme de estréia de Jodie Foster como diretora, Mentes que Brilham/Little Man Tate, de 1991, fez um assassino no ótimo Copycat – A Vida Imita a Morte, e não parou mais de se dividir entre a música e o cinema.
Em 1998, fez o papel do colega de infância que o personagem de Sandra Bullock reencontra ao voltar para sua cidadezinha, depois de saber, através de um programa de TV transmitido em rede nacional, que o marido transa com sua melhor amiga, no filme Quando o Amor Acontece/Hope Floats, terceiro filme dirigido pelo ótimo ator Forest Whitaker. Esse filme revelou-se o maior fenômeno deste site aqui: exibido duas vezes na TV Globo depois que o site estava no ar, aparentemente fascinou garotas adolescentes sonhadoras e românticas de todos os matizes, em especial por causa da sua trilha sonora, com canções muito bem escolhidas. O resultado foi que – segundo Mary observa no Google Analytics – o post com meu comentário, escrito quando vi o filme em 1999, é o mais visitado de todos os que estão aqui.
E o interessante é que o personagem que Harry Connick Jr. interpreta em Quando o Amor Acontece é muito parecido com o de Ted Mitchell que ele faz aqui. São, os dois, sujeitos de cidade pequena, tipos simples, inteligentes, sensíveis, boa praças, boa gente, com escala de valores correta, que dá menos importância a posição, sucesso, que às pessoas, à amizade.
Recém Chegada faz lembrar, e muito, uma outra comédia romântica, Presente de Grego/Baby Boom, dirigida por Charles Shyer, de 1987, a época da ascensão do yuppismo – e o filme batia forte nos yuppies. Ali, a personagem central é também uma jovem executiva ambiciosa bem sucedida em Nova York – interpretada por outra grande atriz de excelente veia cômica, Diane Keaton –, que, por um motivo qualquer que não é o caso de detalhar aqui, vai parar numa cidadezinha pequena, acanhada, numa região gélida. Como acontece em Recém-Chegada, a personagem vai se envolver com um sujeito simplão, boa gente (interpretado por Sam Shepard), que ela a princípio, claro, despreza. A volta por cima da personagem de Diane Keaton antecipou em duas décadas o que faz neste filme aqui a personagem Lucy Hill.
Então é isso; para a proteção de sua saúde mental, fãs de carteirinha dos filmes iranianos e de diretores estilosos como Kar Wai Wong devem passar bem longe de Recém Chegada. Eu dei boas risadas.
Recém Chegada leva o amor ao mundo corporativo.
Recém Chegada (New in Town, EUA/Canadá, 2009)
Com: Renée Zellweger, Harry Connick Jr., Siobhan Fallon, J.K. Simmons.
Direção: Jonas Elmer.
Duração: 97 min.
Gênero: Comédia Romântica.
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